Juliana Finamore

Música, Infância e a indústria fonográfica 


      A necessidade artística musical no ser humano é algo incontestável, pois desde o ventre materno estamos totalmente envolvidos em um universo sonoro ilimitado.
     Diante do objetivo a que queríamos chegar (gravar uma cd direcionado ao público infantil) e a temática já escolhida, houve a necessidade de abordar a concepção social de infância e sua relação com as mudanças na indústria fonográfica direcionada ao público infantil. Isto porque o conceito de infância varia com o decorrer da história e seria difícil falar sobre a música infantil sem fazer um paralelo com a criança de antes, até os dias de hoje.
     A infância, mais do que conceito biológico, é uma fase onde a sociedade tem influência direta sobre a criança, atribuindo valores e impondo regras. É um momento de intenso aprendizado para o indivíduo, período no qual muitos dos valores, crenças e opiniões se formam.
      No livro História social da criança e da família, Philippe Ariès (1978) descreve a visão da sociedade a respeito da infância no período medieval ao enxergar a criança com características ambíguas: inocente e impura, com características inatas e adquiridas, dependentes e independentes, acentuando a situação da criança no âmbito social e familiar. Ter um filho nesta época era visto como um empreendimento arriscado. A criança do Período Medieval é considerada como um adulto em miniatura. Aos sete anos, as que faziam parte da classe alta, eram obrigadas a ingressar no mundo adulto, forçadas a aprender como se fossem depósitos de informações, sem contar as roupas que eram obrigadas a usar e as responsabilidades que lhes eram impostas. As de classe baixa passavam pela mesma transformação, só que ainda eram obrigadas a trabalhar auxiliando os adultos nos afazeres domésticos e trabalho rural.         O tratamento que a criança recebia dos adultos se resumia em controle. Ou seja, o que se pretendia era dominar seus instintos, ensinar a se comportar como os adultos, logo, deixar de ser criança.
      No Renascimento o conceito de infância muda, trazendo uma valorização maior da criança e da família. Esta valorização vem acrescida de muitos mimos, demonstrando um contraste de comportamento em relação a época anterior. Neste período, a criança era exibida como um enfeite, ou como um “animal” que fazia graças.
    No início do séc. XVII, a família assume outro caráter no qual a criança torna-se o centro das atenções. Começa-se a entender a Infância como uma fase de desenvolvimento com características distintas e necessidades específicas. A partir daí, começa a se formar a imagem da fase “Infantil” distinta e especial, que chega até os dias de hoje.

A indústria fonográfica direcionada a criança no Brasil  


     A música infantil já acontecia nas brincadeiras de roda e de cirandas, já fazia parte do convívio das crianças, só não tinha nada gravado fonograficamente e nem tinha esse título infantil.
   O conceito de infância bem como o papel da criança na sociedade, somados com o advento da industrialização, fez com que também no ramo da Indústria fonográfica surgisse uma parte dedicada ao público infantil. A criança é o reflexo do seu tempo e a música infantil acontece paralelamente, conforme as características de cada tempo. Cada momento da indústria fonográfica é dirigido a um tipo de público infantil. Este público, caminha de inocente a rebelde e a oscilação é grande tanto no campo musical (sonoro e lingüístico), como na idéia da imagem da criança em cada tempo.
    Dentre os primeiros trabalhos direcionados especificamente ao público infantil, não se pode deixar de reconhecer o trabalho de Heitor Villa-Lobos que aproveitando as cantigas de roda, conseguiu imortalizá-las. Mas, o registro discográfico que se intitula o primeiro disco genuinamente direcionado ao público infantil no mercado brasileiro, seria no ano de 1950, com o título “Branca de Neve e os sete anões” lançado pela Continental Discos[1]. Foi uma adaptação de um filme da Walt Disney, dirigido por Carlos Alberto Ferreira Braga, vulgo João de Barro ou Braguinha. Não foi apenas o primeiro disco infantil, mas foi a primeira produção fonográfica direcionada a este público, produzida industrialmente. Foi uma conhecida coleção Disquinho produzida em compactos coloridos.
     Segundo uma pesquisa da FUPESP (Federação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo) na FFLCH ­(Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo- Brasil) a protagonista da história (Branca de neve) tem um perfil ativo, diferente das Brancas de Neve que viriam posteriormente.
     Analisando a Branca de Neve da década de 60, veremos que ela aparece com características mais passivas, envolta em um mundo de sonhos e fantasias, diferente da fase anterior concebida por Braguinha em que ela era mais ativa. Analisando também a parte sonora, a música começava a se opor aos sucessos das rádios com melodias curtas, tonais e alegres.
       Foi durante a década   de  60 que o rótulo infantil se define com grande força. Agora, a indústria fonográfica já tem um setor específico para este público. No final desta década o cenário da música infantil passa por um momento de transição. Os novos compositores sentem a necessidade de contar suas histórias, deixando um fundo moral. Também é neste momento que se destaca uma personalidade importante na música infantil: OPalhaço Carequinha. Elegravou O Bom Menino (“O bom menino não faz pipi na cama/ O bom menino não faz mal-criação/ O bom menino vai sempre a escola...”) que vendeu 2 milhões e 500 mil cópias. Também foi ele o primeiro a gravar em discos, cantigas de roda comoAtirei o pau no gato, entre outras. Segundo pesquisa no site cifrantiga[2], consta que o jornal Folha de São Paulo certa vez publicou, que Carequinha que teria criado o primeiro rock infantil no Brasil, intitulado: O rock do ratinho.
     Já na década de 70 a idéia de música infantil é consolidada. A coleção da Disney está no auge, agora lançada pela Abril Cultural e adaptada por Edy Lima. A característica mais aparente leva a uma negação da realidade e as personagens (Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho e Alice) são passivas e totalmente ingênuas, conforme a perspectiva do adulto, que queria somente proteger, orientar e educar as crianças. Neste período as representações musicais com os contos de fadas, o circo e os animais carregavam características de fantasia, ludicidade e folclore. Também carregavam temas educacionais e de moralidade que eram perceptíveis nas músicas de datas festivas, hinos, músicas religiosas e educativas.Toda essa fantasia musical de certa forma servia para controlar os impulsos infantis.   O que se pretendia com a música era transmitir à criança o ideal de comportamento que deveria ter, esperando assim que se tornasse um adulto dentro dos padrões estipulados pela sociedade da época.  Em 1976, iniciou-se a fase de reedições. Ou seja, fizeram-se poucas novas coleções que acabaram sendo marcadas pelo Marketing. Ex: “Sítio do pica-pau amarelo” e “Arca de Noé”. É o momento onde a Indústria Fonográfica Infantil se especializa e se torna profissional. A criatividade não tem limites tanto para os ideais comerciais quanto para o ideal estético musical.
      Por volta de 1980, abriu-se caminho para o surgimento de grupos infantis que obtiveram um sucesso enorme em vendas. Foi o início da produção em grande escala e as  músicas apresentavam excessivos refrões que martelavam o nome do grupo, do cantor ou do programa. Balão mágico, Trem da alegria e os Abelhudos fazem parte desses grupos infantis e quando essas crianças foram crescendo, houve as substituições que não apresentaram o mesmo efeito. Neste instante entram em cena os adultos infantilizados, dentre eles Xuxa, seguida de Eliane, Mara Maravilha e Angélica.Abre-se preferência para uma música acelerada e muito percussiva, além de uma melodia e harmonia muito simples. Se anteriormente a mídia apresentava crianças, bonecos, animais e objetos animados e coloridos, agora a mídia apresenta o adulto-ídolo que domina o público infantil e fortalece o comércio, ou seja, cresce neste período a relação entre a mídia, consumo e a infância. Se em um momento a indústria caminha conforme o público, em outro momento ela já tem total domínio para manipular este público.
     Quanto às histórias, agora os finais das histórias tinham um culpado.Ora o próprio personagem, ora o destino.A Alice agora é uma criança independente dos adultos, podendo decidir sobre tudo.
     O que fica claro é que a música infantil passou a caminhar de acordo com o conceito de infância que o mercado quer ver. A linguagem sonora e lingüística usada nas músicas é um fator tão importante que é capaz de incutir e futilizar valores.
     Analisando cada fase, podemos perceber características específicas tanto na parte sonora quanto na linguagem. O que se sabe é que a melodia de uma música pode provocar sentimentos antes mesmo de ter uma letra. A letra de uma música sem a melodia é talvez algo que não chame a atenção. Porém, quando esta letra é cantada, torna-se um instrumento capaz de mudar comportamentos.
       Com o grande avanço comercial da Indústria Fonográfica, a criança tem recebido e absorvido informações inúteis e até danosas ao seu desenvolvimento sociocultural e intelectual. O público infantil tornou-se para os produtores, consumidores em potencial. O que tem acontecido é que toda essa produção comercial acaba subestimando a compreensão musical infantil, privando assim a criança de informações que a tornariam um adulto musicalmente crítico.
     No livro Arte, Infância e Formação de Professores, Ostetto fala sobre a “massificação de produtos culturais” colocados para a sociedade conforme o “gosto do mercado” mais que o “gosto popular”.
      Na verdade, o povo, transformado em massa é também o mercado onde serão divulgados e vendidos esses artigos, como por exemplo, os produtos da indústria do disco. O que acaba acontecendo é que as músicas deixaram de ser obras artísticas para tornarem-se produtos industrializados (OSTETTO, 2004, p. 48).
       O poder da indústria de massa tem influenciado muito no gosto musical infantil, fazendo com que a criança goste até mesmo de trabalhos que não são direcionados a ela. O ditado popular “gosto não se discute” se torna um tanto quanto questionável quando nos deparamos com a realidade. Com uma simples pergunta direcionada a uma criança podemos traçar o perfil da infância de hoje, como por exemplo: De que música você gosta? Porque você gosta desta música? As respostas serão quase que sempre as músicas Top das rádios e dos programas de TV. Ou seja, temos uma infância totalmente hipnotizada pela mídia, uma infância atraída apenas por um ritmo dançante e um modo de ser sem muitas regras. “Tais músicas não têm somente uma proposta de dança, mas uma proposta de consumo sendo assimilada e um jeito de ser no mundo” (OSTETTO, 2004 p. 52). 










Intérprete, compositora, arte-educadora, formada em Educação Artística na Universidade Santa Cecília/Santos, concretizou sua aptidão artística musical e plástica, realizando projetos de espetáculo musicais direcionados principalmente para o público infantil. Cursou oficina de Rádio/TV/Jornal oferecido pelo Projeto Com Com (Comunicação Comunitária) e Instituto IVOZ, no qual atua até o momento no setor de jornal e TV.

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