25 de Março
Ontem dei um passeio no inferno. Pelo
menos é assim que eu ouço as pessoas que dividem (ou seria melhor disputam?) o
pouco espaço infernal comigo, chamarem.
Sempre que chego na 25 de Março, os
dedos dos meus pés encolhem involuntariamente e tenho a impressão que meu
ouvido fica tão aguçado que se uma agulha cair do outro lado da rua, eu serei
capaz de ouvi-la.
É um passeio para lá de diferente.
Principiantes, todo cuidado é pouco, começar fazendo uma despretensiosa
caminhada, enquanto as pessoas ao seu redor correm em alvoroço como se fugissem
do rapa (sem você imaginar que é dele mesmo), não é nada seguro, principalmente
se você conseguir ficar paradinho, sem ser levado pela massa, no momento em que
o caos se instala ao seu lado. Preste atenção rapaz, você já deve estar sendo
pisoteado!
Mas vou confessar, não há muitos segredos
para sair da 25, ileso. Adote uma velocidade mais acelerada, por exemplo, ande
como se tivesse nascido com alguns anos de atraso e tivesse que repor todo o
tempo perdido.
Fazer compras na 25 por mais que não
pareça, é uma atividade das mais saudáveis. Ainda mais, se você considerar
sadia, a dor que você certamente sentirá pelo corpo, no fim do dia. Lembre-se
do que os instrutores dizem nas academias, se estiver doendo é sinal de que o
exercício deu certo. Ou não.
É bem verdade que você não conseguirá
desenvolver suas atividades da forma mais natural possível. Há pequenos
obstáculos. Eu pelo menos considero um obstáculo nas minhas atividades
saudáveis, ser atingida por uma daquelas bolinhas com ventosas que alguns
ambulantes atiram de um lado para o outro, e que por acaso podem tentar grudar
na minha testa. Ou quando é um carrinho com uma caixa de isopor imensa cheia de
gelo (ou o que foi gelo pela manhã) bem no meio da calçada, me fazendo cortar
caminho por dentro de uma loja que eu não queria entrar ou ir para rua,
disputar o espaço com os carros. Passar na defensiva de objetos voadores e de
repente me ver vibrando (sem nenhum motivo aparente) ao levar uma massageada no
meio das costas, sem o meu consentimento e ficar logo mais a frente com os
cabelos enganchados numa engenhoca, que o vendedor enfiou na minha cabeça, jurando
que era só para eu relaxar. Isso pra mim são obstáculos, pequenos, mas
obstáculos.
Pensar em lanche, talvez sim, seja um
atentado a própria saúde. A menos que você não se importe de chegar a um
carrinho de lanches e pedir licenças ás moscas, que se abrirão em cortina para
você passar. A iluminação no carrinho é pouca, isso porque a crosta de gordura
na lâmpada já é tanta que se ela conseguir iluminar a si mesma, já fez
muito.
Tirando os detalhes, eu recomendo a 25 de Março.
Apesar de lá ter uma confusão de gente, bolsas, perfumes, brinquedos, agendas,
mais gente, sacolas, preços negociáveis, pessoas pechinchando, camelôs
gritando, vendendo, chineses e coreanos arranhando o português, produtos para
lá de importados, vendedores que passam o dia inteiro anunciando que estes são
os últimos produtos, ruas abarrotadas, lojas entupidas, um pouco mais de gente,
esporádicas miadas de gatos espancados, pastéis de vento, pudins de mosca, e
aquela quase imperceptível movimentação na hora que o rapa aparece. Mas tudo
isso, se tratando da 25 de Março já viraram coisas tão naturais hoje em dia, quanto
nariz de criança escorrendo. Na 25 você encontrará de tudo, só o que falta lá,
é espaço. Mas porque querer um espaço frio, quando se pode ter o calor humano
que ela exala (embora uns e outros confundam com suor). Talvez, seja justamente
essa mistura de coisas que torne a 25 de Março, um inferno tão atrativo.
Michele Rebouças, mora em São Paulo, capital. Tem sua formação como produtora audiovisual, mas desde 2010 trabalha como fotógrafa.
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